Três pilares da CAPOEIRA

Mestre Pastinha

Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, nasceu em 1889, nos morros da cidade de Salvador, filho de um comerciante espanhol e de uma ex-escrava baiana. A virada do século XX prometia uma era de revoluções no mundo inteiro, e pra capoeira não foi diferente. Pastinha conheceu a capoeira ainda criança, muito pela necessidade diária de se defender nas favelas baianas.

Pastinha conta que quem lhe ensinou a capoeira foi um velho africano, que sempre o via apanhar de um menino mais velho. Um dia, da janela da sua casa, o velho chamou Pastinha e disse que ele nunca conseguiria vencer o menino porque ele era mais velho e era maior que ele, e então o chamou pra ensinar a capoeira. Desde então, nunca mais apanhou.

A partir desse fato vale ressaltar que, por mais que teimem as novas academias de capoeira e a espetacularização da violência do MMA, a capoeira nunca foi uma arte de brutalidade ou de movimentos acrobáticos, mas, desde os seus primórdios, foi um jogo de estratégia, uma arte que se desenvolveu a partir de praticantes que sempre eram mais fracos e estavam mais desarmados que seus adversários, mas que usando a astucia e a agilidade – ou como dizia Pastinha, a mandinga – conseguiriam vencê-los. A capoeira é, portanto, a luta dos oprimidos e explorados.

Registros – que são escassos, graças ao descaso proposital dos estudiosos burgueses – afirmam que a capoeira tem o seu germe africano no N'golo, a Dança da Zebra, um combate cerimonial que representa um rito de passagem para a vida adulta das mulheres, que era praticado no sul de Angola e que realmente apresenta semelhanças com a arte atual. Quando chegou aqui no Brasil, assim como toda expressão de identidade negra, foi perseguido e massacrado, logo, se desenvolveu de maneira clandestina e defensiva, sempre a espreita do perigo iminente da repressão.

Tanto foi perseguida que se tornou a arte de desarmar policiais, de dar golpes rápidos e silenciosos, de enganar adversários e escapar ileso de situações perigosas. Ao mesmo tempo que estava intrinsecamente unida com a espiritualidade, a ritualidade e a expressão corporal e linguística do povo brasileiro. Continha sua ginga, a brincadeira, a malícia e a musicalidade: a liberdade e fluidez dos corpos e mentes. A medida que era reprimida, se tornava cada vez mais sagrada e cada vez mais praticada.

Até o final da escravidão, já havia se tornado um problema de saúde pública para o Estado burguês, principalmente nas capitais portuárias, como Rio de Janeiro e Salvador, onde se encontravam o grande aglomerado da classe trabalhadora da época. Não a toa a capoeira foi proibida dentro da Constituição brasileira, dois anos após a abolição da escravatura, em 1890.

"Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil
(Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890)
Capítulo XIII – Dos vadios e capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;
Pena de prisão celular de dois a seis meses.
A penalidade é a do art. 96.
Parágrafo único. É considerado circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400. Com a pena de um a três anos.
Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes."
Foi justamente no período de sua proibição que surgiram grandes capoeiristas conhecidos até hoje. Como o próprio Pastinha e a mitológica figura de Besouro Mangangá.
Manoel Henrique Pereira, nasceu entre os canaviais de Santo Amaro, em 1895. Filho de escravos recém-libertos, pouco sabe-se sobre a vida do capoeirista, tendo alguns poucos registros, já que foi assassinado jovem, em 1924, aos 29 anos. Ainda criança, se autointitulou Besouro Preto, aquele que, apesar de ser pequeno, escuro e pesado, podia voar e sumir de seus inimigos em um piscar de olhos.
No recôncavo baiano a capoeira se desenvolvia de uma maneira completamente nova. Agora se mesclava mais profundamente com o samba – que também era perseguido – e carregava uma raiva e uma malandragem maior, típico daqueles que só tinham seu chapéu, uma navalha e seus pés para se defender dos assédios diários, em uma cidade em que cada vez mais se aglomeravam massas recém-libertas da escravidão, sem moradia, sem comida e sem trabalho. A capoeira havia se tornado mortal, tanto para os próprios capoeiristas quanto para seus adversários.
Desse cenário surge Besouro Mangangá, que na sua juventude se tornou um símbolo de resistência contra a polícia, contra os patrões, contra a injustiça diária e contra a moral burguesa branca e cristã da época. Tanto foram seus embates com as polícias e comerciantes que ficou conhecido como justiceiro da região, e lhe foram atribuídos muitos feitos mágicos e uma sacralidade dentro da capoeira, que persiste até hoje.
Dos registros de Besouro que temos acesso hoje, existe um de uma delegacia de São Caetano, em Salvador, no qual relata a tentativa de recuperação de um berimbau que havia sido confiscado de seu grupo:
"Aos dez dias de setembro de mil novecentos e dezoito,
nesta capital do estado da Bahia (…) Argeu Cláudio de Souza,
com vinte e três anos de idade, solteiro, natural deste estado,
praça do primeiro batalhão da brigada policial (…)
foi interrogado pelo doutor delegado que lhe perguntou o seguinte:
como foi feita a agressão de que foi vítima no posto policial
de São Caetano? (…)

Ali apareceu um indivíduo mal trajado,
e encostando-se a janela central do referido posto,
durante uns cinco minutos, em atitude de quem observava alguma coisa,
que decorrido este tempo, o dito indivíduo interpelando o respondente,
pediu-lhe um berimbau que se achava exposto juntamente com armas apreendidas"
PIRES, Antonio Liberac Cardoso Simões. Bimba, Pastinha e Besouro de Mangangá. Três personagens da capoeira baiana. Goiânia/Tocantins: UFT, 2002, pág. 27

Assim como todo jovem e todo trabalhador que tem seus instrumentos de arte confiscados pela polícia – como são em muitos casos de batalhas de rap e poesia, onde microfones e caixas de som são criminosamente pegos por policias – Besouro representa uma juventude que anseia por arte até os dias de hoje e representa o medo de uma burguesia que compreende o perigo de uma roda onde se troca conhecimento e experiência, onde se pode desenvolver ideais revolucionários.

Das rodas de capoeira, até os repentes das batalhas de rap e poesias nas rodas do slam resistência, todas essas manifestações perpetuam uma característica fundante da cultura brasileira: a cultura da resistência, contra a classe opressora e a favor da liberdade de expressão e de conhecimento da nossa classe. Uma cultura das trabalhadoras e trabalhadores negros e nordestinos contra o regime de exploração dos escravocratas e patrões.

A partir dos anos de 1910, Mestre Pastinha busca a emancipação da capoeira. Já reconhecido por todos os grandes mestres da Bahia, ele é proclamado por eles o guardião da capoeira, já que tinha uma visão prática e uma didática excelente para organização da capoeira, produzindo diversos manuscritos sobre a tradição da Capoeira de Angola e sua filosofia.

Porém, apesar do grande reconhecimento que Pastinha havia adquirido e da perpetuação da capoeira por todo Brasil, surge um movimento novo da capoeira nos anos 30, contrário a moral de "paz entre nós, guerra aos senhores" da capoeira tradicional. Mestre Bimba, como mentor desse novo movimento, funda a Capoeira Regional, e mescla a arte com outras lutas marciais, como karatê e jiu-jitsu – que estavam chegando ao país na época. Inclusive, numa tentativa de aproximar a capoeira das artes marciais e menos da criminalidade.

A Regional ganhou muitos adeptos, sobretudo a juventude pequeno-burguesa da época, que acabou se encantando pelos golpes mortais e os movimentos acrobáticos. Naquele período já se falava muito depreciativamente da Angola, por ser um jogo mais lento e mais estratégico. A febre da Regional levou a sua descriminalização em 1935, principalmente por conta das políticas populistas de Getúlio Vargas, que queria construir uma "arte marcial nacional", o que anos depois levou Bimba até o Palácio Nacional para fazer uma apresentação oficial da Regional para o presidente.

Enquanto isso, Pastinha evoluía a Angola em seus modestos passos. Em 1941, fundou a mais tradicional escola de Capoeira de Angola legalizada pelo governo: o CECA (Centro Esportivo de Capoeira Angola) e de lá surgiram os mais famosos mestres angoleiros e foi frequentada por diversas personalidades da época, sendo conhecido até na África. O próprio disco Transa, do Caetano Veloso, homenageou o Mestre nessa época.

Infelizmente, em 71, sua academia foi expulsa do lugar que habitava no Pelourinho pelo governo. Pastinha e seus discípulos sofreram um golpe da Ditadura, que havia afirmado que precisaria fazer uma reforma no prédio, os retiraram de lá e nunca mais o devolveram. Hoje o local ainda é o restaurante do Senac da região, numa época de avanço dos cursos técnicos e profissionalizantes no país e de uma repressão muito forte de movimentos culturais e sociais.

Mestre Pastinha, já com uma catarata muito avançada e sem auxílio médico, sofreu o segundo derrame depois de sua expulsão. Passou os últimos anos de sua vida com a saúde muito debilitada, cego, esquecido pelo público e difamado pelos jornais da grande mídia. Morreu em sua humilde casa em Salvador, junto de sua esposa, em 1981, aos 92 anos de idade.

Após a morte de Pastinha, a luta de Angola ficou em profundo luto. O Brasil se tornou um terreno muito infértil para a capoeira tradicional, o que isolou e enfraqueceu os mestres aqui presentes. A maior parte dos mestres, inclusive discípulos de Pastinha, migraram para o exterior – como Europa e América do Norte – e lá perpetuaram com maior sucesso os seus ensinamentos.

Mestre Pastinha viveu sua vida pela capoeira e, mais, mesclou todo o seu ser com o corpo e a mente do capoeirista. Ele foi o reflexo de sua época: dos tempos amargos dos ex-escravos, com toda sua malícia, sabedoria e alegria, sobrevivendo o dia a dia no campo individual, até os tempos atuais resistindo aos ataques constitucionais da burguesia que teimavam em destruir a tradição negra de Angola, sobrevivendo o dia a dia no campo coletivo, com a mesma malícia, sabedoria e alegria.

Escrevo esse artigo pela lembrança da arte da classe trabalhadora, pois é ela que nos mantém vivos, ativos e fortalecidos contra as opressões diárias da exploração e da perseguição. Que não morra a vela que foi mantida acesa por tantos séculos por tantos mestres capoeiristas e que ela evolua conforme evolui nossa classe.

"Capoeira angola, mandinga de escravo em ânsia da liberdade. Seu princípio não tem método e o seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista. Capoeira é amorosa, não é perversa. Ela é um hábito cortês que criamos dentro de nós, uma coisa vagabunda." - Mestre Pastinha

Mestre Bimba

Manoel dos Reis Machado, nasceu na Periferia do bairro de Brotas. Recebeu o nome de Bimba, em decorrência de uma aposta feita entre a sua mãe e a parteira que dizia ser um menino.
O primeiro local onde Mestre Bimba treinou Capoeira era conhecido como Estrada dos Boiadeiros, no bairro da Liberdade e seu primeiro mestre foi o Africano Bentinho, capitão da Companhia de Navegação Baiana.
Mestre Bimba, conheceu a Capoeira aos 12 anos. O curso teve duração de quatro anos e o método era da Capoeira antiga, a mesma que ele ensinou por 10 anos. O local das aulas era conhecido como Clube União em Apuros, no bairro da Liberdade.
Com a Capoeira reconhecida como esporte nacional, Mestre Bimba foi reconhecido pela Secretaria de Educação e Assistência Pública do Estado da Bahia como Professor de Educação Física.
Personalidade da vida política e social, desfrutava de companhias ilustres como o governador da Bahia na época, Dr. Joaquim de Araújo Lima.
No ano de 1929, com grande sabedoria, ele desenvolveu um estilo diferente da Capoeira Angola, fazendo a junção do batuque com a Capoeira. Com essa inovação, surgiu a Capoeira Regional.
Naquela época, a graduação era caracterizada por lenços. Em 1932 , ele fundou sua primeira academia no bairro do Engenho Velho de Brotas. Oficialmente sua academia foi a primeira a ter alvará de funcionamento em 1937. No mesmo ano, fez sua primeira apresentação para o interventor, o general Juraci Magalhães, na presença de autoridades civis, militares entre outros convidados ilustres. Em 1939, Mestre Bimba ensinou Capoeira no Quartel do Centro de Preparação de Oficiais da Reseva (CPOR).
Em 1942, instalou sua segunda academia. Em 1953, Mestre Bimba se apresentou para o presidente Getúlio Vargas e este declarou a Capoeira como o único esporte verdadeiramente nacional.
Nos anos 20, Mestre Bimba e alguns alunos de Capoeira, estudantes de Medicina, resolveram registrá-la no Centro de Cultura Física Regional, localizada na Rua Francisco Muniz Barreto, por causa da Capoeira não ser bem vista aos olhos da sociedade. No Pelourinho, em 1972, ele realizou a última formatura desse Centro, ocasião em que Mestre Vermelho foi o orador.
Antes de Bimba, a luta era ilegal, passível de punição pelo Código Penal e discriminada pela burguesia como coisa de malandro, de escravo fujão. Os capoeiristas sequer sonhavam em sobreviver dessa manifestação popular. Bimba rompeu com este ranço. Deixou as funções de carroçeiro, trapicheiro, carpinteiro, doqueiro, carvoeiro para abraçar a Capoeira e o seu instrumento mais ilustre, o berimbau, hoje identificado como símbolo da Bahia em cinco continentes.

  • #HISTORIADORBOAALMA


  • BESOURO MANGANGÁ


  • A história da capoeira é repleta de personagens que marcaram épocas, tanto no passado quanto no presente. Porém nenhum capoeirista até hoje, tem tantas "estórias" em torno da sua própria "história", quanto o famoso Besouro Mangangá. Para conhecer a História desse personagem real, que marcou época no recôncavo baiano na primeira e segunda década do séc. XX, precisamos voltar um pouco à História do Brasil que corresponde ao período em questão. É de fundamental importância que conheçamos a História da nossa República, a mesma se divide em dois períodos históricos.


  • REPÚBLICA VELHA


  • A Primeira fase da República no Brasil tem o seu início em 1889, sendo o Marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro chefe da nação. E o seu fim no ano de 1930, com Washington Luiz, último presidente desse período.


  • REPÚBLICA NOVA


  • Corresponde a subida de Vargas ao poder do ano de 1930, até os dias atuais. Porém muitos dos historiadores consideram o fim da república velha anos antes, lá atrás no fim do período café com leite, bem antes da subida de Vargas ao poder. Outros já consideram o fim da mesma, bem depois da era Eva Vargas, a partir das "Diretas Já" no pós ditadura militar. Mas essa questão de República Velha e Nova é uma interpretação de cada estudioso da área, não cabe estender discussões.


  • O CLIMA POLÍTICO


  • Durante a República Velha, o coronelismo foi predominante em todas as regiões do Brasil, principalmente no Nordeste, onde a maior parte da população, eram no seu geral, pessoas de extrema pobreza. Esses coronéis mandavam e desmandavam, eram tão autoridades quanto os políticos da elite. Os mesmos geralmente eram grandes fazendeiros, donos de engenhos de cana, fazendas de cacau, pecuaristas, agropecuários e etc. No geral eram homens que movimentavam a economia do país e que abusavam ao extremo do autoritarismo.

  • O voto de cabresto, as altas taxas de impostos, o incentivo ao embranquecimento populacional, a repressão policial em relação às manifestações afro-brasileiras por conta do novo código penal, tudo isso somado a alguns outros motivos, foram fatores que geraram inúmeras revoltas pelo Brasil a fora. Das muitas revoltas que explodiram pelo país, podemos citar, algumas como a revolta da armada e revolta dos marinheiros ambas no Rio de Janeiro, o surgimento de canudos por parte de conselheiro no sertão baiano, o surgimento e difusão do cangaço por todo o nordeste, a revolta de caldeirão no Ceará e muitas outras. Em meio a toda essa agitação popular, surgiram muitos líderes regionais, dentre os mesmos podemos citar Padre Cícero em juazeiro do norte no Ceará, Antônio conselheiro no sertão da Bahia, Lampião que começou em Pernambuco e depois rodou o nordeste, Beato Zé Lourenço da revolta de caldeirão no Ceará e Besouro Mangangá no Recôncavo baiano.


  • A DATA DE NASCIMENTO


  • Manoel Henrique Pereira(besouro), filho de Maria Alta Pereira, e João Matos Pereira. Nasceu no quilombo Urupy em Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo Amaro da Purificação. Poucas são as fontes, a respeito do seu nascimento, porém duas em especial, nos dão pistas bem convincentes, sobre a sua possível idade. Segundo "Liberac", em 1918 besouro teria sido expulso do exército, a sua expulsão se deu devido a uma lesão corporal que resultou em um processo movido contra o mesmo.

  • CRÉDITOS;

  • PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. A capoeira no jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade do Rio de Janeiro (1890-1937) (Dissertação Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1998


  • REFLEXÃO

  • O documento em questão cita que o famoso Besouro Mangangá, teria servido o exército por volta de 1918. Se somarmos o período em questão, menos o ano do seu nascimento(1918-1895), chegaremos a conclusão que o mesmo deixou as forças armadas por volta dos vinte e três anos de idade.(boa alma)


  • Vasconcelos confirma essa data através da certidão de óbito do mesmo, em posse do seu irmão Caetano Cicero Pereira. A certidão de óbito, expedida pela Santa Casa da Misericórdia de Santo Amaro, em 1925, a pedido do Dr. João de Cerqueira e Souza, promotor público da Comarca de Santo Amaro, para o arquivamento do processo movido contra o capoeirista por Caetano José Diogo em 1922, em virtude do seu falecimento em 1924. C.f.; certidão de

  • CRÉDITOS

  • .Cf. VASCONCELOS, José Gerardo. Etnocenologia e história: percorrendo indícios da vida de Manoel

  • Henrique Pereira, vulgo "Besouro" (1895-1924). p. 25. In: MATOS, Kelma Socorro L. de. VASCONCELOS,

  • José Gerardo. (Orgs.). Registros de pesquisas na educação. Fortaleza: LC-UFC, 2002. p. 27. Na Seção Judiciária

  • do Arquivo Público Municipal de Santo Amaro (Data limite: 1920 - 1927: Subsérie: Tentativa de Homicídio:

  • Cx. 4; Nº. 104: Vol. 18);


  • MESTRE ALÍPIO O MESTRE DE BESOURO


  • Abib nos informa que o primeiro contato [do Besouro] com o mundo da capoeira se deu com um velho africano de nome Alípio, que era cativo do Engenho Pantaleão. Nas lavouras de cana, o discípulo ouvia e aprendia com o velho, os ensinamentos de capoeiragem. Tio Alípio era Babalaô, tinha sido escravo de gente de posse ainda moço jovem, filho de uma negra que veio num tumbeiro trazida do Porto de São Jorge da Mina do Daomé".

  • CRÉDITOS;

  • Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha; Mestre e Capoeiristas famosos da Bahia;


  • REFLEXÃO

  • A capoeira praticada no recôncavo naquela época, era a antiga capoeira rural dos canaviais, era uma mistura do batuque com sambas do recôncavo, uma luta com mandinga como hoje, porém muito violenta. Havia treinamentos de faca, facões e navalhas, a necessidade fazia dos antigos capoeiristas verdadeiros guerrilheiros.(Boa Alma)


  • O RESISTENTE INSETO QUE GEROU O APELIDO


  • Besouro Mangangá é um inseto típico da região Nordeste, tem aproximadamente entre três e quatro centímetros, e é um besouro assim, que agente descreve como um inseto muito feroz, porque as estacas de antigamente nas cercas, que eram feitas nessas regiões dos pastos, eram feitas com Maçarandubas, e ele consegue furar até essa Maçaranduba esse besouro.

  • Fontes;

  • Antônio Reinaldo, Mestre Lampião; pesquisador do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Doc. Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha.


  • DO APELIDO NASCE A LENDA


  • Em uma das lendas sobre o apelido dizem que certa vez, Manoel Henrique transformou-se em um Mangangá e saiu voando para escapar da polícia, passando assim a ser apelidado pelo nome do inseto a partir desse ocorrido. Outros já dizem que o próprio Besouro, fascinado com o animal, preto como ele porém livre para voar, passou então se auto denominar besouro (versão do filme), há quem diz também que a própria polícia (em ato racista), o apelidou, pois era preto, feroz e voador assim como o animal em questão. Não se sabe ao certo o porquê do apelido, só se sabe que é talvez o mais conhecido da História da capoeira.


  • A VIDA DE BESOURO


  • Em entrevista à rádio nacional e em depoimento a Vasconcelos, Dona Dormelina Pereira, meia irmã de Besouro, nos dá a seguinte informação: "Besouro era um valentão. A fama era ainda maior. A fama fazia a rua fechar. Uma vez a moça que me criava queria me levar para o colégio. Eu tinha muito medo. Besouro estava na cidade e a cidade estava toda fechada. A polícia cercava a cidade. Queriam pegar Besouro. Eu não queria ir para o colégio, pois tinha medo de Besouro." (VASCONCELOS, 2003 p. 53)


  • REFLEXÃO

  • A meia irmã de Besouro, não o conheceu muito a fundo, uma vez que o mesmo vivia mais escondido e raramente aparecia em casa por conta das represálias. Talvez a mesma sempre levou para a frente o que sempre escutou.(Boa Alma)


  • MESTRE LAMPIÃO


  • "Eu procurei as pessoas mais velhas que pudessem ser contemporâneas de Besouro. Primeiro encontrei Nóca de Jacó que viveu assim próximo de besouro nos últimos dias de vida dele (M. Gato preto cita o mesmo como aluno de besouro). Eu descobri Caetano Pereira, esse Caetano Pereira era irmão de besouro e tive a oportunidade de fazer algumas pesquisas com ele. Ele disse! "Olhe o que eu posso lhe dizer é o seguinte. O meu irmão teve uma vida muito distante da nossa. Ele saiu de casa aos 13 anos de idade, nós morávamos no roçado no Urupy e eu já nasci por lá e meu irmão veio pra rua pra viver com uma de nossas madrinhas na estrada hoje conhecida como Ruy Barbosa. E não ficou aí mais que seis meses, ele ganhou o mundo e a gente só ouvia falar, quando ele estava em Sto. Amaro, quando era dia de feira, quando tinham as rodas de capoeira, porque ele não aparecia nem para visitar a família, a nossa família.

  • CREDITOS;

  • Antônio Reinaldo, Mestre Lampião; pesquisador do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Documentário Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha


  • REFLEXÃO

  • Essa ausência de besouro em relação a sua família, pode ser a confirmação do meu pensamento acima em relação ao depoimento de D. Dormelina. Por receio a represálias.(Boa Alma)


  • AS PESQUISAS DE MARIA MUTTI;


  • Besouro vivia de del em del, onde ele achava uma pousada para trabalhar, ele ganhava, até a hora que irritavam ele, que criavam um caso com ele, que irritava. Deixava dois quebrados e tinha que ir embora, tinha que fugir, pra outro lugar, pedir emprego em outro lugar, pra sobreviver, pra se manter, pelo menos pra comer.

  • CRÉDITOS;

  • Maria Mutti; pesquisadora do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Documentário Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha.


  • MESTRE JOÃO PEQUENO


  • Besouro Preto, de Santo Amaro, ele era primo de meu pai(Maximiano Pereira dos Santos), e eu ouvia falar no Besouro Preto, e eu também queria ser valentão, mas queria ser um valentão que batesse em todo mundo que aparecesse e fosse vencedor (...) Na fazenda de São Pedro, encontrei com mestre Juvenço, que trabalhava de ferreiro e era capoeirista, era amigo de Besouro, ele me contou muitos causos de Besouro, até a morte dele.

  • CRÉDITOS

  • Mestre João Pequeno. Doc. Audiovisual O fio da navalha;

  • Faixa extraída do seu CD;


  • BESOURO UM HOMEM TRABALHADOR


  • Besouro se apresenta diante da História como um trabalhador, com uma personalidade de justiceiro, um homem que não admitia desaforos ou covardia. Na época, os grandes canaviais de Santo Amaro, tinham um importante papel no cenário produtivo, essas mercadorias eram levadas de saveiros até o cais Salvador. Há relatos de que por volta de 1921, Besouro seria um desses saveristas e em outros depoimentos o mesmo também é citado como vaqueiro e peão de usina. O fato de ser um trabalhador o diferencia de alguns outros valentões da capoeira do seu tempo, como, Pedro Mineiro, Samuel da calçada, Bigode de seda, Rabello e tantos outros. Enquanto esses viviam na noite, na bebedeira e nas arruaças, Besouro mostrava ser um valente que lutava por justiça, sempre empregado em alguma usina ou fazenda.


  • O PENSAMENTO DE ANTÔNIO LIBERAC


  • Suas práticas não podem ser associadas ao banditismo, pois Besouro sempre se caracterizou como um trabalhador por toda sua vida, nunca sendo preso por roubo, furto ou atividade criminal comum. Suas prisões foram relacionadas às ações contra a polícia, principalmente no período em que esteve no exército. Ele era carregador de embarcação, trabalhava no cais do porto de Cachoeirinha, cidade vizinha a Santo Amaro(BA).

  • CRÉDITOS;

  • PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. A capoeira no jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade do Rio de Janeiro (1890-1937) (Dissertação de Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1996.


  • REFLEXÃO

  • Besouro pode se encaixar perfeitamente como um idealista que não aceitava as injustiças das autoridades da época, ele batia de frente contra o fortíssimo preconceito ainda recém escravista. Essa atitude de bater de frente com a elite para defender a camada social excluída o diferenciava dos demais capoeiras, que eram vistos como vadios e desordeiros. Apesar de muitos também serem trabalhadores, geralmente do cais, as suas fichas policiais eram intensas, e na maioria das vezes brigavam por coisas fúteis como; rixas antigas, disputa por mulheres, defesa de territórios, bebedeiras, e muitos outros motivos banais. Porém mesmo Besouro sendo e tendo um ideal diferente dos demais, as suas ações e atitudes diante das autoridades eram de apenas mais um "vadío" das ruas e da capoeira.(Boa Alma)


  • CORPO FECHADO E PROTEÇÃO ESPIRITUAL


  • O Recôncavo baiano tem a fama de ser a mais enraizada região afro em território nacional. É a maior população negra do país é uma das maiores fora do continente africano, considerado por muitos como o berço da cultura brasileira, o recôncavo respira ancestralidade. O misticismo religioso predomina, e as crenças populares vão além dos limites da fé e ultrapassam a imaginação. Eu particularmente até pouco atrás, não era muito adepto de religiões e confesso que não tinha muitas crenças. Hoje é impassível para mim não admitir que existem certas coisas, entre o mundo físico e o espiritual, que a mente humana jamais poderá explicar. Predominava entre os capoeiristas do passado suas crê na proteção e orientação de seus orixás. Assim como inúmeros outros do seu tempo, Besouro, não passava por baixo de cerca de arame farpado, não tinha relações sexuais em determinados dias, não se desligava do seu patuá, enfim... Seguia a risca as regras, e as ordens com fidelidade ao seu santo e obtinha por merecimento a sua proteção.(Boa Alma)


  • O PENSAMENTO DO MESTRE PASTINHA


  • Segundo o Mestre Pastinha, citado por Adriana Dias, o capoeirista "[...] vem da mesma religião que vem o candomblé, tem um batuque, tem um samba, ela tem a mesma parcela, é da mesma parcela. Agora com uma modificação um pouquinho diferente, o manifesto é um pouquinho diferente, mas a parcela é a mesma, [...]. O capoeirista é o mesmo feiticeiro, mas ele abandona uma parte por outra. Nós acompanhamos o feiticismo, nós acompanhamos o candomblé, se fosse assim, nós não iria em casa de candomblé, nós não ia, mas nós somos [...] e da mesma parcela [...]. Agora um que gosta mais de uma finalidade do que da outra [...]. Um corre mais para o capoeirismo e outro corre para o feiticismo.

  • CRÉDITOS;

  • Cf. DIAS, 2006. Segundo a autora, a entrevista foi realizada em 1964 por uma antropóloga da Finlândia, cujo nome não foi identificado, na academia de Mestre Pastinha, Pelourinho, Salvador.

  • Abreu, Fred

  • 98 Id. p. 190.


  • O PENSAMENTO ABIB


  • Abib nos informa que através do sobrenatural, Besouro encontra forças e altivez para questionar uma estrutura social perversa, jogando capoeira, lutando, zombando, como um herói pícaro, do mundo da ordem senhorial, constituído de mentalidade.

  • CRÉDITOS;

  • ABIB, Pedro. Capoeira angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. p. 160.76 ABIB. op.cit. p. 163. apud SANTOS, Marcelino dos. Capoeira e mandingas: Cobrinha Verde/Marcelino dos Santos. Salvador: A Rasteira, 1991.


  • MESTRE LAMPIÃO;


  • Se seguia todo um preceito, e ainda se segue nesta região(recôncavo), esse preceito do corpo fechado como se fala, da proteção aos santos e aos orixás e ainda se segue até os dias de hoje.

  • CREDITOS;

  • Antônio Reinaldo, Mestre Lampião; pesquisador do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Documentário Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha.


  • MARIA MUTTI


  • Tinha um patuá aqui(apontando para o pescoço), que a mãe de santo dele deu amarrado em um cordão. Patuá! Que ele tinha aqui(pescoço), que o pessoal dizia que ele tinha o corpo fechado, e ele dizia que o corpo dele era fechado por conta daquele patuá.

  • CRÉDITOS;

  • Maria Mutti; pesquisadora do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Documentário Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha


  • MESTRE VALDEMAR


  • Em entrevista a Fred Abreu, o M. Valdemar dá a seguinte informação; os mestres de antigamente "... tinham muita mandinga, viravam folha, viravam bicho. Aquilo era próprio para barulho (confusão). Besouro era um grande capoeirista, mas tudo debaixo de oração".

  • CRÉDITOS;

  • Abreu, Fred; O barracão do Mestre Valdemar; 1982


  • MESTRE COBRINHA VERDE


  • O Mestre Cobrinha Verde, que afirmava ser primo e aluno de besouro, afirmava também ter aprendido com o mesmo as "artes da mandinga", atribuídas aos ensinamentos que recebeu do mesmo em Santo Amaro da Purificação. Conta ele que esses ensinamentos o ajudaram a se livrar de inúmeras situações de perigo enfrentadas ao longo da sua vida.

  • CRÉDITOS

  • Ministério das Relações Exteriores

  • Revista Textos do Brasil

  • Capoeiras e Mandingas. Cobrinha Verde/Marcelino dos Santos. Salvador: 1991.


  • MESTRE JOÃO GRANDE;


  • É que tem o livro São Cipriano. [..] São Cipriano [..] diz que tinha vindo com os africano [..] uns patuás que eles tinham, botaram no corpo. Tem uma fava-da-índia que é no corpo, não tem mais o negócio - botar no corpo fava-da-índia. Batia e ferro não dava no corpo dele. É que tinha o Besouro. Fava-da-índia no corpo. Bala bateu e caiu no chão. Bala não dava nele, batia, caiu no chão. Cobrinha Verde tinha isso também. A faca não dava nele, nada [..] nele. Depois ele perdeu a força, a fava não serviu mais nada.

  • CRÉDITOS;

  • Mestre João Grande, 2003


  • OS ALUNOS


  • O fato de muitos, duvidarem da existência de Besouro, levam os mesmos também, a duvidarem daqueles que dizem ou diziam serem seus alunos. Porém muitos mestres do passado(a maioria já falecidos), afirmavam terem aprendido capoeira com o Besouro Mangangá. Para tais informações recorremos à entrevista do mestre Gato Preto(falecido), ao Mestre Dourado entre os anos de 1999 e 2002. Em depoimentos para o seu livro, "Gato Preto o berimbau de ouro da Bahia", o mestre citou alguns dos grandes alunos de Besouro. São eles: Siri de Mangue, Canário Pardo, Antoninho Bahia, Paulo Barroquinha, Cobrinha Verde, Samuel Preto, Samuel Grande e Nóca de Jacó.


  • REFLEXÃO

  • É de extrema importância esse depoimento do M. Gato Preto. Pois o mesmo nasceu no ano de 1929, cinco anos após a morte de Besouro. Ou seja, o mesmo conviveu com todos os alunos de besouro citados acima, e ainda por cima, fez parte da sua linhagem. Pois aprendeu capoeira e foi discípulo de Cobrinha Verde. Esse por sua vez afirmava ser além de aluno, primo do próprio Besouro.(Boa Alma)


  • MESTRE ONÇA PRETA


  • Em abril de 2019, através de uma rede social(eu Antonio Luiz Campos), conheci e me tornei amigo da senhora Zélia Navarro. Neta do senhor Cícero Navarro(Mestre Onça Preta). A mesma me informou que o Mestre Onça Preta(1909-2002), também afirmou ter sido aluno de besouro.


  • OUTROS BESOUROS?


  • Muito antes de Manoel Henrique, existiu no recôncavo um outro Besouro, esse seria o bisavô do mestre Curió de Pastinha. O primeiro que se tem notícia de uma linhagem de quatro capoeiristas. Mestre Curió é filho do capoeirista José Martins(Martim dá pemba/pena dourada), esse José Martins por sua vez, era filho de Pedro Viríco (Curió de Santo Amaro), e esse por sua vez, era filho de Besouro de Santo Amaro(bisavô de curió de Pastinha).

  • CRÉDITOS;

  • Mestre Curió; O Guardião da Capoeira Angola.


  • O terceiro Besouro citado entre os capoeiristas antigos é um dos mestres do Mestre Waldemar. E esse ao contrário dos outros dois anteriores, não era negro. "Eu aprendi capoeira, com Siri de mangue, Canário pardo, Talabi e Besouro Gazo. Era um branco sarnento, lá de Perí Perí, muito bom de capoeira".

  • CRÉDITOS;

  • FRED ABREU. O Barracão do Mestre Waldemar;

  • Entrevista do Mestre Valdemar a o Mestre Nego Ativo no ano de 1987.


  • REFLEXÃO

  • Levando em conta que Besouro Mangangá morreu em 1924. Esse besouro gazo em questão, aparece no cenário da Capoeira doze anos depois, uma vez que o Mestre Valdemar começou a aprender capoeira no ano de 1936. De semelhante modo, o outro besouro, neto do mestre Curió, seria bem mais velho que o mangangá. Não se sabe ao certo se existiram outros besouros além do Mangangá, e dos outros dois citados acima, o que sabemos é que esses três existiram. O Mangangá se apresenta na História como o mais famoso dos três, pois o mesmo se mostra um idealista, um justiceiro, um homem a frente do seu tempo.(Boa Alma)


  • A MORTE


  • Maria Mutti. "Ele se embrenhou pelo mato adentro, correndo do tiroteio da polícia, mas essa pessoa ficou atrás de uma bananeira, esperou ele lá dentro e na passagem lhe deu a estocada. Ele veio para Santo Amaro, para a Santa Casa de misericórdia vivo. Deixaram ele morrer na pedra fria do Hospital, já de pronto levaram ele para a pedra fria do necrotério. Isso, eu ouvi de um senhor idôneo, que não posso dar o nome dele, porque a família ainda vive aqui e não quer que eu diga, que ele teve a confiança em mim, pelo meu entusiasmo, pela forma como eu defendia a capoeira de besouro. Ele um dia me chamou pra ir a casa dele, ele sentou e me contou a história. Ele disse! Eu vi besouro morrer a mingua, na pedra fria da Santa Casa, isolado pelo médico, ainda me deu o nome do médico na época, que não atendeu, deixa morrer, ele sangrou até a morte. Você vê alguns documentos que relatam a morte, diz que ele chegou pela manhã e só morreu às 19 horas, a certidão de óbito diz que ele morreu por causa de uma perfuração. Que perfuração é essa que não teve um médico capaz de estancar a sangria?

  • CREDITOS;

  • Maria Mutti; pesquisadora do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Documentário Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBA. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha


  • ZILDA PAIM


  • Foi fria e covardemente golpeado em Maracangalha, no lugar de nome Quimbeca. Veio para Santo Amaro em canoa, ficando no Porto em frente a Loja Nova, até que foi transportado para a Santa Casa da Misericórdia, onde faleceu.

  • CRÉDITOS

  • PAIM, Zilda. Relicário popular. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo: EGBA, 1999. p 53.


  • MESTRE LAMPIÃO;


  • Então! O que eu tenho de registro da chegada de Besouro em Santo Amaro, no momento que ele é feriado, é que ele é desembargador no cais do Araújo Pinho, trazido em uma canoa. E ali colocam ele em uma carroça e é trazido até a Santa Casa.

  • CRÉDITOS;

  • Antônio Reinaldo, Mestre Lampião; pesquisador do recôncavo. Em depoimento, audiovisual, ao Documentário Memórias do Recôncavo Besouro e outros capoeiras. Documentário dirigido por Pedro Rodolpho Jungers Abib. Professor Adjunto da Faculdade de Educação da UFBa. Capoeirista formado pelo Mestre João Pequeno de Pastinha.


  • REFLEXÃO

  • As circunstâncias da sua morte são contraditórias, há quem afirmam que Besouro morreu em um confronto com a polícia, outros dizem que foi traído com um ataque de faca pelas costas, á quem diga que teve relações sexuais em dias proibidos perante o seu santo enfim. No imaginário popular há sempre uma versão fantástica. Porém algo que chamou a atenção, foi o fato do besouro não ser devidamente atendido no hospital, em três depoimentos acima, temos uma visão da vista grossa feita pela equipe médica. O fato do médico manda lo ainda vivo para a pedra do necrotério, só aumenta as nossas suspeitas que os médicos já tinham ordem para não atendê- lo.(Boa Alma)


  • DEPOIMENTOS ORAIS;


  • Conta a história que besouro deu uma surra em um rapaz chamado Memeu, esse rapaz era filho de um fazendeiro conhecido como Dr. Zeca. A História ou/ é a estória, conta, que esse tal Zeca se apresentará a besouro, sem dizer ser o pai do seu rival, dizendo ter um amigo, chamado Felisberto Baltazar que era administrador da Usina em Maracangalha. Segundo o tal Dr. Zeca, esse Baltazar estava precisando de peões para trabalhar na usina, em outra versão Baltazar estava precisando de gente pra trabalhar em uma fazenda onde o mesmo seria um suposto administrador; Dr. Zeca então entrega a Besouro uma carta de recomendação para que o mesmo levasse até o tal Baltazar. Segundo a História, Besouro não sabia ler e na carta Dr. Zéca pedia a Baltazar que matasse o portador da mesma. Ao ler a tal carta, entregue pelo próprio Besouro, Baltazar teria dito ao mesmo que aguardasse a resposta até o dia seguinte. Besouro então teria passado a noite por lá, e no outro dia foi buscar a resposta, deparando-se com uma emboscada onde teria sido gravemente ferido no abdômen.

  • CRÉDITOS;

  • Relatos orais, citados por alguns antigos do Recôncavo;


  • REFLEXÃO

  • Infelizmente essa fonte não tem um valor maior por falta de registros, pois é apenas um depoimento oral por parte de alguns contemporâneos do Mangangá. Porém mesmo parecendo coisa de cinema essa fantástica História pode sim ser levada a sério. Em primeiro lugar, Besouro era analfabeto e a possibilidade de levar a tal carta sem saber o seu fim eram enormes. Em segundo lugar, era comum pessoas ricas rodarem os vilarejos ou mandarem os seus capangas rodarem, em busca de pessoas para mão de obra. E em lugar, não seria novidade esse tal Dr. Zeca se aproxima e se torna amigo de Besouro para ganhar a sua confiança no intuito de lhe armar uma emboscada no momento certo. Pegando carona nessa história, podemos citar um corrido de capoeira, interpretado pelo cantador Boa Voz.


  • A CARTA DE BESOURO


  • Cantador

  • Quem mandou levar essa carta pra sinhá?

  • Coro

  • Quem mandou levar

  • Cantador

  • Olha lá besouro preto

  • Coro

  • Quem mandou levar

  • Cantador

  • Cuidado com a emboscada

  • Coro:

  • Quem mandou levar

  • Cantador:

  • Nêgo não sabia ler

  • Coro:

  • Quem mandou levar

  • Cantador

  • Cantador mais a carta foi levada.

  • Coro...

  • A faca ou facão de tucum


  • ATESTADO DE ÓBITO;


  • Santa Caza da Mizericórdia da Cidade de Santo Amaro, em 5 de Setembro de 1925.


  • Certidão passada a pedido verbal do Dr. João de Cerqueira e Souza, Promotor Público da Comarca e por determinação do Dr. Virgílio Diniz de Lima, Chefe do Serviço Clínico do Hospital da Mizericórdia e etc.


  • Certifico que, por determinação do Chefe do Serviço Clínico d'este Hospital da Santa Caza da Mizericórdia, revendo os livros de entradas e sahidas de doentes, às folhas 42 do livro nº 3, linhas 16 cito 418, consta o seguinte lançamento: Manoel Henrique, mulato escuro, solteiro, 24* annos, natural de Urupy, rezidente na Uzina Maracangalha, profissão vaqueiro, entrada no dia 8 de Julho de 1924, às 10 e meia hora do dia, fallecendo às 7 horas da noite, de um ferimento pérfuro-inciso do abdômen. É o que consta, que para aqui copiei fielmente como n'elle se contem. Eu, Jerônymo Barboza, enfermeiro, que o escrevia e assigno.

  • Jeronymo Barbosa. Enfermeiro.

  • CREDITOS;

  • PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. A capoeira no jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na cidade do Rio de Janeiro (1890-1937) (Dissertação de Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 1996.


  • REFLEXÃO

  • Besouro morreu com 29 anos de idade, vítima de hemorragia interna causada por um profundo furo no seu abdômen. Como já vimos antes nos depoimentos acima, houve negligência médica supostamente a pedido de alguém com importante influência política. A própria historiadora Maria Mutti, deixa isso muito claro com o fato de não poder revelar o nome de quem matou e de quem mandou matar Besouro. Ou seja, ainda nos dias atuais, devemos ter cautela com certas informações pois existem famílias importantes a serem preservadas no Recôncavo. Enganam-se quem pensa que uma história de quase cem anos atrás já acabou.


  • CONCLUSÃO FINAL


  • Besouro faz parte do imaginário popular, uma figura enraizada na história da capoeira. Cinco anos mais velho que o M. Bimba é seis anos mais novo que o M. Pastinha. Já se passaram 125 anos desde o seu nascimento, e 98 anos desde a sua morte, e por incrível que pareça a sua fama aumenta a cada dia. Um mito real cantado, contado e relembrado em todas as rodas do mundo. Um herói do passado que nunca morreu, um homem à frente do seu tempo que não abaixou a cabeça para um sistema político e social baseado no autoritarismo e no preconceito racial. Um nordestino de garra e coragem que acreditou na capoeira, e principalmente em si próprio. Besouro Mangangá, Besouro cordão de ouro, Besouro de Santo Amaro ou simplesmente Besouro da capoeira. Herói de todos nós capoeiristas.


  • FONTES, CRÉDITOS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS;


  • Vinícius Thiago de Melo e Walter Ude

  • Licere, Belo Horizonte, v.16, n.1, mar/2013.

  • Um Breve Panorama Sobre o Caso da Capoeira no Contexto...

  • KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuições à semântica dos tempos

  • históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

  • LUCE, Patrícia Campos. Entre a vadiagem e a academia: o local e o global na capoeira em Belo Horizonte. Monografia (Especialização) - Programa de Pós-Graduação em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Contagem, 2007.

  • MASCARENHAS, Fernando. Lazer como prática da liberdade: uma proposta

  • educativa para a juventude. 2. ed. Goiânia: Ed. UFG, 2004.

  • MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Trad. Eliane Lisboa.

  • Porto Alegre: Sulina, 2007.

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  • cultural do Estado da Bahia, 1988.

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  • VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Tradução: Jéferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

  • .UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS JONALVA SANTIAGO DA SILVA.

  • DO CORDEL À NARRATIVA BIOGRÁFICA:

  • A INVENÇÃO DE BESOURO, O HERÓI DE CORPO FECHADO

  • SALVADOR - BA

  • 2010

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  • COSTA, Neuber Leite. Capoeira, Trabalho e Educação. Dissertação (Mestrado) -

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  • A capoeira e seus aspectos

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  • Pedro Rodolpho Jungers Abib

  • Terra roxa e outras terras -

  • Revista de Estudos Literários

  • As bravuras de se contar histórias sobre Besouro Preto

  • Por

  • Victor Alvim "Lobisomem"

  • .UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CENTRO DE HUMANIDADES-CAMPUS DE GUARABIRA

  • DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

  • EDSON BATISTA DOS SANTOS

  • PRÁTICA E REPRESSÃO À CAPOEIRA NO FILME "BESOURO"

  • .MARGINALIDADE; RIO, RECIFE E SALVADOR: 1900 - 1930.


  • Texto;

  • Antônio Luiz dos Santos Campos(boa alma)


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